Estabelecimento comercial que descumpre a quarentena comete crime?
André Takashi • March 27, 2020
Consequências penais do decreto estadual determinando quarentena
Em meio a pandemia provocada pelo Covid-19, foi publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo, em 24/03/2020, o decreto no 64.881/2020, determinando medida de quarentena em todo o estado, visando a restrição de atividades de maneira a evitar a possível contaminação ou propagação do coronavírus.
O decreto determinou, que no período de 24/03 a 07/04/2020, estão suspensos os atendimentos presenciais ao público, em estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços, bem como, o consumo local em bares, restaurantes, padarias e supermercados, com exceção dos estabelecimentos que tenham por objeto atividades essenciais, tais como:
1. Saúde: hospitais, clínicas, farmácias, lavanderias e serviços de limpeza e hotéis;
2. Alimentação: supermercados e congêneres, bem como os serviços de entrega (“delivery”) e “drive thru” de bares, restaurantes e padarias;
3. Abastecimento: transportadoras, postos de combustíveis e derivados, armazéns, oficinas de veículos automotores e bancas de jornal;
4. Segurança: serviços de segurança privada;
5. Demais atividades relacionadas no § 1º do artigo 3º do Decreto federal nº 10.282, de 20 de março de 2020.
Porém, passados alguns dias do impacto inicial da quarentena, nas poucas saídas que tenho realizado (somente para ir ao mercado ou farmácia), observei que alguns estabelecimentos que não se incluem na relação de “permitidos”, ou que não deveriam ter consumo no local, continuam atendendo o público presencialmente, alguns, com “meia-porta”, e outros, como se nada estivesse acontecendo.
Ocorre que, independente da necessidade do empresário em “tocar o seu negócio” e, posicionamentos políticos à parte, a regra a clara: existe uma determinação legal (ou seja, por força de lei), proibindo esses estabelecimentos de realizarem atendimento presencial ao público.
E o descumprimento dessa determinação, prevê a aplicação de punições, sendo que, o decreto do estado de São Paulo, prevê como prática de crime tal conduta. O artigo 3º, dispõe:
Artigo 3º - A Secretaria da Segurança Pública atentará, em caso de descumprimento deste decreto, ao disposto nos artigos 268 e 330 do Código Penal, se a infração não constituir crime mais grave.
Assim, o empresário que descumpre a determinação de manter seu estabelecimento fechado para atendimento presencial, por conta da quarentena, incorre nas sanções previstas no crime de infração de medida sanitária preventiva, previsto no Código Penal:
Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:
Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.
Já a previsão do crime de desobediência (art. 330, Código Penal), em que pese o respeito a legislação estadual, mas, sem se aprofundar no assunto, não é cabível ao caso concreto, até mesmo pela existência de previsão criminal específica (art. 268).
Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.
Importante ressaltar, que dadas as circunstâncias extremas da pandemia, os agentes fiscalizadores do estado e do município, ao abordarem estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços descumprindo a citada norma, estão agindo de forma explicativa e tentando convencer os empresários sobre a necessidade de respeitar tal medida, ao invés de, simplesmente autuar o estabelecimento e aplicar as sanções cabíveis.
Porém, apesar da postura amena da fiscalização, fato é, que a conduta de desrespeitar essa medida, além de não contribuir para a contenção da pandemia, também é crime. E como tal, pode ser punida a contento e trazer sérias complicações de ordem legal, para o empresário infrator.

Nos últimos dias, após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), muito tem se discutido acerca da execução, ou não, da pena de prisão após condenação em segunda instância. Nas redes sociais, diversos " experts " tem criticado a decisão do STF, alegando que isso seria uma afronta ao país, admitindo a impunidade, beneficiando milhares de criminosos, entre eles, o ex-presidente Lula. Garantia Constitucional Ocorre que, a não execução da pena restritiva de liberdade, ou, simplesmente tratada como pena de prisão, antes de esgotados todos os recursos judiciais cabíveis e possíveis, não foi inventada pelo Supremo nessa última decisão, e nem na anterior, de 2016. A regra, conhecida como "princípio da presunção de inocência", está consolidada na Constituição Federal , desde 1988, em seu artigo 5º, inciso LVII, onde, expressamente, se proclama que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, sendo que, o "trânsito de julgado", significa, em outras palavras, que não cabem mais recursos contra a decisão. Assim, enquanto existirem recursos judiciais cabíveis, ainda que a sentença condenatória tenha sido ratificada pelo colegiado da segunda instância, o réu, não será considerado culpado e, por essa razão óbvia, não poderá iniciar o cumprimento da pena de prisão. Liberdade do ex-presidente Lula É certo que, grande parcela da população se indignou com a decisão do Supremo, uma vez que esta, beneficiou diretamente o ex-presidente Lula e outros envolvidos na operação lava-jato. Porém, ideologias políticas à parte, sejamos sensatos e foquemos no que é correto, legalmente falando, em termos gerais e não específicos. Imagine a situação de um indivíduo pobre, condenado em primeira instância que, embora inocente, não obteve êxito na apelação, junto ao tribunal. Esse indivíduo seria preso, mesmo que ainda fossem cabíveis recursos aos tribunais superiores, e, se absolvido depois de alguns anos, teria cumprido alguns anos de prisão "de graça", vivido o "inferno", sem sequer ser culpado. E ficaria por isso mesmo, pois, é um "Zé ninguém", apenas mais um do povo. E, curiosamente, e incoerentemente, parece que o próprio povo, é favor disso, demonstrando seu posicionamento, ao "bombar" as redes sociais e sair as ruas exigindo a tal da "prisão em segunda instância", como se disso resultasse o efetivo combate a impunidade. Proposta de mudança da lei Porém, mudar a lei, nesse caso, não é algo tão simples assim, como estão pregando os mesmos " experts " e alguns políticos, que querem agradar a opinião pública, visando, obviamente, as próximas eleições. O tal princípio de que falamos, está inserido no famoso artigo 5º, da Constituição Federal, que trata, nada mais, nada menos, dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros e naturalizados, ou seja, do povo. E esse artigo "garantidor" é considerado uma "cláusula pétrea", que, traduzindo, pela sua natureza é imutável, impossível de ser alterado por emenda constitucional ou qualquer outra lei. Isso existe, justamente, para assegurar ao povo, que suas garantias e direitos fundamentais, não serão modificados "a Deus dará", de acordo com os desejos e interesses políticos daqueles que transitoriamente estão no poder. A regra é clara: para mudar as cláusulas pétreas, somente através de uma nova assembléia constituinte, o que, implicaria no fato de que os parlamentares atuais, teriam que renunciar aos seus mandatos, para essa finalidade. E isso, sejamos realistas, não vai acontecer tão cedo. Além disso, deixando de lado o caso do ex-presidente, e voltando a história do "Zé ninguém" do povo, lembremos que esse cidadão pode ser qualquer um de nós, ou nossos pais, nossos filhos, amigos, etc. E, por essa razão, acredito que, em tais circunstâncias, todos iriam desejar ter o direito e a garantia constitucional de somente ser preso, depois de esgotados todos os recursos judiciais cabíveis. Assim, antes de cair de cabeça no "efeito manada", bradando aos quatro ventos que é a favor da prisão em segunda instância, é salutar que pensemos e reflitamos bem sobre o tema. É claro que essa possibilidade de prisão poderia até ser conveniente em alguns casos específicos, principalmente, naqueles que envolvem desvio de dinheiro público ou atrocidades bárbaras. Mas não é assim que a lei funciona num Estado Democrático de Direito; não podemos ter dois pesos e duas medidas. Por isso, a bem da coletividade, ou seja, do povo, vale a máxima: "é melhor um bandido solto, que um inocente na cadeia". E isso pode parecer até meio piegas, mas, com certeza, é o melhor para a sociedade. (reprodução autorizada, desde que citada a fonte e a autoria)